Semana de quatro dias pode reduzir casos de burnout, apontam especialistas; veja vantagens

Por Joel Cirilo Barakah em 07/08/2022 às 09:16:52

A pandemia trouxe discussões a nível global sobre mudanças na forma como funcionários e empresas lidam com o trabalho. Na esteira da popularização do home office, o debate que propõe reduzir a jornada de trabalho para quatro dias na semana tem ganhado força ao redor do mundo e chegou a ser pauta no Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano. Mais de um século desde a adoção da semana de cinco dias de trabalho pelo americano Henry Ford, que virou regra no mundo todo, esse novo modelo começa a ser testado de maneira mais frequente e alguns países já colhem resultados. É o caso dos Emirados Árabes Unidos, onde foi implementada uma semana de quatro dias e meio e observada uma redução de 55% nas faltas dos funcionários. Outros países como Islândia, Bélgica, Estados Unidos e Japão, e até algumas empresas brasileiras, também começaram a testar a redução da carga horária. Para Milene Rosenthal, psicóloga e co-fundadora da Telavita, a jornada reduzida também poderia contribuir para diminuição da incidência de transtornos mentais, como a síndrome de Burnout.

“Experiências em todo o mundo já deixaram claro o quanto esse modelo pode ser vantajoso, tanto financeiramente para as empresas quanto para o bem-estar e a saúde mental dos funcionários. Com isso, torna-se uma importante contribuição para diminuir a incidência de quadros como o burnout. Talvez esse seja um dos maiores ganhos da jornada reduzida para a sociedade”, defende a especialista. O transtorno passou a ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um fenômeno relacionado ao trabalho a partir de janeiro deste ano, quando foi incluído na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). A síndrome é definida pela OMS como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. No Brasil, o Ministério da Saúde reconhece desde 1999 o burnout como transtorno relacionado ao trabalho.

A psicóloga Silvia Zoffman, formada e pós-graduada pela PUC-SP e também headhunter e consultora de carreira detalha como funciona o diagnóstico: “Existem três dimensões que a gente avalia para diagnosticar como síndrome de burnout. A primeira delas é exaustão emocional. A pessoa já não tem mais condição de colocar a energia que o trabalho requisita. E, geralmente, é provocada pela sobrecarga ou problemas de relações interpessoais no ambiente de trabalho. A segunda é a despersonalização. A gente avalia o quanto a resposta de exaustão emocional faz com que o indivíduo se defenda dessa carga emocional que o trabalho exige. Então, ele começa a apresentar sintomas e atitudes de evitação. Ele começa a fugir, literalmente, a não aparecer, a não entregar e a comprometer o seu resultado e as suas entregas, ainda que ele fizesse isso muito bem anteriormente. A terceira é a baixa realização profissional. É quando a pessoa de fato começa a reduzir o tempo que passa no trabalho e o empenho diminui”.

“Os sintomas também se dão em várias esferas. Sintomas físicos como, por exemplo, fadiga constante, disfunções sexuais, enxaquecas, distúrbios de sono, problemas gastrointestinais e dores. Sintomas psíquicos começam pela falta de atenção, concentração, perda de memória, desconfiança, baixa autoestima, sentimento de solidão e disforia, que é uma certa irritabilidade. Sintomas comportamentais se dão quando a pessoa começa a negligenciar o trabalho, a ficar irritada, a ficar agressiva, sem iniciativa. E também pode aumentar o consumo de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas”, alerta. Nesse sentido, a redução da jornada de trabalho para quatro dias faria com que o funcionário tivesse mais tempo para descansar e fazer atividades não relacionadas ao trabalho, como conviver com a família e amigos e evitar os problemas enfrentados no cotidiano das empresas. De acordo com as especialistas, um dia a mais de descanso já seria suficiente para reduzir de maneira significativa os níveis de estresse e frustração enfrentados pelos pacientes.

O International Stress Management Association (ISMA-BR) coloca o Brasil como segundo país com maior número de trabalhadores afetados pelo burnout. Segundo dados da OMS, o país também é líder em taxa de pessoas com ansiedade e o quinto lugar em casos de depressão. Esses números se agravaram com a pandemia e, desde então, muitos profissionais têm priorizado melhores condições de trabalho em detrimento de outros aspectos, como salários, por exemplo. Entretanto, para Zoffman, não bastaria apenas reduzir a carga de trabalho para 4 dias, as empresas também teriam que cumprir com o horário. Além disso, outras medidas também são fundamentais para evitar o diagnóstico de burnout: “Essa redução, se ela for legalizada, não pode haver uma contrapartida da empresa de cobrar as entregas nesses quatro dias úteis e as pessoas compensarem nesses quatro dias úteis o que elas fariam com um quinto dia útil. Então não deve haver uma medida compensatória. Deve ser de fato um dia de folga. Tem uma série de medidas que podem ser adotadas para evitar que as pessoas entrem em burnout e criem uma relação de gratidão com a empresa, uma relação de lealdade para a gente evitar esse tipo de diagnóstico. O burnout está muito ligado também a uma sensação de abandono dentro da empresa”, explica.

Um levantamento feito pelo Harvard Business Review apontou que colaboradores satisfeitos são 85% mais eficientes, 31% mais produtivos e 300% mais inovadores. Em 2019, a Microsoft, no Japão, testou uma semana útil de quatro dias e o resultado foi o incremento nas vendas, redução no consumo de energia em 23% e aumento de 40% na produtividade. De acordo com a psicóloga Milene Rosenthal, tudo depende de como cada empresa se adapta à redução da jornada de trabalho: “É um processo de adaptação e cada corporação é capaz de analisar o modelo mais conveniente para sua realidade e que seja possível de viabilizar. Mas as iniciativas já concretizadas demonstram que há processos dentro das empresas que são desnecessários e evitam uma maior qualidade de vida para seus profissionais. Revendo isso, todos têm a ganhar. Um ambiente corporativo mais saudável é benéfico para todos”.

Silvia Zoffman ainda pondera que todas as mudanças em prol da manutenção da saúde mental dos funcionários não devem partir apenas do viés da produtividade, mas sim do reconhecimento de que transtornos como a síndrome de burnout são de fato condições sérias de saúde: “Eu penso que as pessoas precisam levar a sério a questão do burnout, tanto colaboradores, quanto empresas, sem banalizar o assunto. Não é a insatisfação com o chefe, ou uma dificuldade de entregar, por exemplo, uma apresentação no dia seguinte e não conseguir fazer isso. O burnout é uma exaustão e esgotamento emocional, psíquico e profissional. É o fim da linha. É o último recurso que o organismo entende como precisa ser cuidado”.

“Não é melindre, não é ‘mimimi’ e também não é todo mundo que tem burnout. Burnout é um diagnóstico específico que já está na Classificação de Doenças Internacionais, é uma doença ocupacional que precisa ser levada muito a sério e tem prevenção para isso. A prevenção se dá no dia a dia e na escuta ativa das necessidades do outro. Gestores também têm burnout. Também existem pessoas que trabalham em profissões que propiciam ou favorecem mais o desenvolvimento de burnout, como profissões que envolvem pessoas e atendimento como bancos e instituições públicas. Tudo isso precisa ser olhado com bastante carinho para que esses diagnósticos sejam bem feitos e as pessoas sejam tratadas e cuidadas. Saúde mental é muito importante, é um tema que tem que ser levado para dentro das empresas”, finalizou a psicóloga.

Fonte: JP

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